Le penseur, Auguste Rodin (Musée Rodin, Paris)
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I’m back, folks. Já devem ter se dado conta pela presença de acentos no texto.
Como todo retorno de viagem um pouco mais dilatada ao estrangeiro, chegar, mais que um mero desembarque, demanda algum processo de readaptação. Ele começa pelo jet lag e termina com um reajuste à própria vida cotidiana, suspensa durante o período em que se esteve fora.
Ontem, de forma um pouco forçada, acho que concluí meu ajuste de regresso tomando um choque de realidade.
Felizes da vida fomos, Juliana e eu, assitir a um espetáculo de dança. Andávamos até mesmo iludidos com uma aparente efervescência cultural na mais provinciana das metrópoles nacionais (aos chegantes ou desatentos, moramos em Goiânia), dada a coincidência de várias programações culturais, incluindo este “Goiânia em Cena”, um festival de artes cênicas promovido pela Prefeitura Municipal com patrocínio da Petrobrás. Consultamos a programação, escolhemos um dos espetáculos programados e saímos de casa.
Vai acabando o dia de finados. Ano passado escrevi uma pequena crônica sobre este dia que ficou enterrada no meu antigo e abandonado blog. Para mim o dia de finados é todo pôr-do-sol, é todo crepúsculo. Eis a crônica:
O dia de finados transcorreu normalmente. Céu nublado, muita gente nos cemitérios, muitas flores, choros e longos suspiros de saudade. Algumas pessoas passeavam com o olhar perdido, um longo olhar. Outros permaneciam parados até, de repente, girar a cabeça num movimento brusco, como se tivessem ouvido ou visto alguma coisa. Depois retornam para dentro de si mesmos, contemplando mudamente as lápides como a um espelho. “Ó espelho meu, o que de mim neste morto morreu?”
Meus mortos aumentaram este ano. Por isso este post. Uma vela para os meus mortos, simbólica, cibernética.
Estou ouvindo uma missa composta por Palestrina. Como são belos os meus mortos, congelados em lembranças alegres ou graves. Acompanho-lhes os movimentos em detalhe, acompanho-lhes a precisão dos gestos. Meus mortos não se perdem, nem fazem o que não deviam. Quando me olham, que doçura!!, estão em paz. Hoje é o dia no qual converso com todos.
“Como vão as coisas?”, “O que o senhor tem feito, meu Tio? Continua fechado em si mesmo? É a morte para o senhor tão solitária quanto foi a vida?”.
“Vó, aprendeu mais algum ponto sofisticado no crochê? Há sapos por aí? Sei que senhora não os suporta. Olha, estou morando na sua casa, seu bisneto foi visitar-lhe o túmulo hoje, viu como está grande?”.
“Tio, How are you? Sentimos sua falta na mesa de pôquer”.
“Jordino, como estás rapaz? Sinto falta dos seus conselhos, do seu humor capenga, da sua silhoueta torta pelos corredores da faculdade.”
O meu olhar não pode mais alcançar sua diáfana existência. Apenas a memória persiste. Nela fico atrás da porta, logo após a curva, para tentar alcançá-los desprevenidos, surpreendê-los com um susto ou num gesto inédito, espontâneo. Mas nunca. Sempre os mesmos movimentos, a mesma doçura e a mesma paz. Sempre no museu de cêra dos meus pensamentos.
Toda teoria conspiratória é um fetiche da verdade. Ela não é uma mentira pura e simples, não ignora fatos, apenas os interpreta numa chave bastante particular.
Exemplo: Jesus Cristo andou sobre a Terra e era humano, teve filhos com Maria Madalena e a Igreja Católica, numa série de conchavos políticos (os concílios) estabeleceu um cânone cujo interesse não era a verdade, mas a saúde de uma instituição que, ao longo do tempo, especializou-se em cobrar uma taxa regular pela paz de espírito e, claro, por um terreninho no céu. O cristianismo, em toda sua pompa e circunstância, nada mais é do que uma estratégia de marketing bem montada sobre bases filosóficas greco-romanas e alguns devaneios monoteístas de uma religião tribal. Seu objetivo é vender perdão e garantir o poder simbólico do Vaticano. São capazes até de assassinar um Papa, se por acaso ele desenvolver uma consciência.
“Her Majesty’s overflowing benevolence towards her subjects is like celestial water that floods land for prosperity.”
“A incontivel bevolencia de Sua Majestade para com seus suditos e como a agua celestial que inunda a terra trazendo prosperidade.”
(Trecho de texto sobre as qualidades da Familia Real, em sua residencia de inverno, Chiang Mai, Tailandia).
Foi uma dupla experiencia de alta qualidade. Primeiro, ir ao cinema em Bangkok, segundo, ir ao cinema ver um filmaco de Martin Scorsese sem me dar conta do que iria ver.
Cinema aqui e assim: um multiplex como os outros, so que, se se desejar, com superpoltronas reclinaveis e/ou mesas para fazer refeicoes e ser servido numa sala VIP. Todo o mundo tem os celulares mais modernos, mas, surpresa, eles nao tocam, nem ninguem conversa a meu lado. Importante afirmar que isso e uma experiencia inedita para mim. Sempre me sento ao lado de alguem que conversa e/ou atende celular.
13:10h em Bangkok, 3:10h em Brasilia. Voces estao ai dormindo seu merecido sono dos justos e eu ja vou aqui 10 horas adiantado. Daqui a pouco, despertarao e irao cumprir com seu dever civico do voto, em mais uma maravilhosa festa da democracia brasileira.
Eu me sinto confortavel por nao ter que ir votar. Covardemente, poderei alegar que nao tive responsabilidade alguma nos desdobramentos que qualquer um destes dois brilhantes lideres puser em marcha.
Grandes metropoles dao uma certa preguica, quando se e estrangeiro. Sao quase todas cada vez mais iguais, cheias de bilboards da Nokia, da Loreal e do HSBC, vias expressas, juventude com visual descolado, turistas atrapalhados e um Hard Rock Cafe, que e o suprassumo da pasteurizacao da cultura global, em que a gente acha bom poder sair de casa sem sair. Ca entre nos, why the fuck? alguem vai a um Hard Rock Cafe, toma uma cerveja a precos extorsivos pelos parametros locais e compra um camiseta ridicula, cujo motivo e uma competicao infantil por quem tem aquela com a localizacao mais exotica. Bangkok deve estar no topo desta lista, eu imagino. Uma camiseta do HRC Bangkok vale 10 vezes o preco de uma do HRC Cape Town, que vale 20 vezes o preco de uma HRC Miami, que e a coisa mais mane que alguem pode ter. Acho que funciona mais ou menos assim.
Aqui onde é a sala, era o meu quarto. As bonecas disputavam espaço com os ursos, e sempre ganhavam. Mas perdiam para mim quando eu queria dançar. Mamãe reclamava da música alta, mas não da bagunça, porque eu já era organizada. Diferente da Táti, que não sabia guardar nem o seu riso destrambelhado. Mas as outras meninas moravam longe, e eu brincava com a Táti mesmo. Eu era sempre a princesa, porque era mais bonita. Em troca, ela puxava meu cabelo, e eu chorava, chorava, chorava até a hora de a gente brincar de novo. O rancor não cabia no meu coração de seis anos.
Aos domingos mamãe me levava ao culto. Eu ainda não sabia cantar os salmos, mas adorava dar a “paz de Cristo”. Não gostava era dos meninos, que vinham me mostrar besouros e percevejos. Mas mamãe me protegia, e me dava pipoca doce pr’eu não chorar. Mais tarde meu corpo se arredondou, e os meninos continuaram a me incomodar, mas agora queriam me mostrar carros e músculos. Dei meu primeiro beijo, rasguei minha primeira foto, e fiquei muito triste, porque a vida não estava parecendo as estórias bonitas que minha mãe me contara. Mas minhas amigas também rasgavam algumas fotos, e isso me dava certo alívio. Juntas nós ríamos das lágrimas que chorávamos sozinhas.
Me conta aqui na Tailandia uma colega guatemalteca que nas eleicoes presidenciais de 2000 em seu pais, houve 90% de votos em branco. Assim, ficamos sabendo de onde Saramago tirou a inspiracao para seu genial “Ensaio sobre a Lucidez”. Na Guatemala, infelizmente, como no Brasil, o voto em branco nao e considerado valido, de modo que ganhou o candidato mais votado, ainda que a maioria dos eleitores nao quisesse a nenhum deles. Segundo ela, o resultado foi um dos governos mais corruptos de que ja se teve noticia na America Central.
No livro de Saramago, a grande maioria da populacao da capital do pais vota em branco nas eleicoes. Pego de surpresa, o governo convoca novas eleicoes e coloca o servico de inteligencia em busca dos cerebros desta conspiracao. Nao ha entretanto comandantes neste movimento espontaneo da populacao que, nas novas eleicoes, volta as urnas e, ainda em maior numero, torna a votar em branco.