Quero compartilhar alguns dos meus lugares favoritos, começando com o especialíssimo Mirante das Três Gargantas. Seria bacana ouvir de outros seus lugares favoritos também.
Categoria: interiores Page 6 of 11
Visão de 270 graus: as ilhas, um vão – através do qual o imenso Atlântico se revela para além de um farol – a longa restinga, a vasta Serra do Mar em sucessivas camadas de montanhas – do preto ao cinza embaçado. Contra esse céu largo, o vôo de um biguá solitário, o mar, o mar, o mar e a luz amarela densa desse fim de dia deixando mais existentes as madeiras desse barco que singra as águas dessa baía, cortando esse ar frio e intenso. E essa mulher de sombrancelhas grossas do outro lado do convés me instilando sentimentos e fantasias de me largar no mundo, sem tempo, nem dia.
Foi quando descobriu que havia sempre uma outra conexão com as coisas acontecendo. Uma segunda troca por baixo da primeira, cotidiana, com os olhos e a fala. E era uma corrente febril, tormentosa – como rio inchado depois da tempestade, que ruge e tropeça em paus e folhas num afã descontrolado de seguir em frente. Dava medo submergir nessa corrente ruidosa e violenta, mas lá embaixo reinava uma paz grande porque se deu conta de que podia ser observador de si mesmo sob a corrente febril, onde tocava, envolvia as coisas e se deixava envolver por elas com o corpo – uma corda lhe saía do estômago e do intestino. Arqueado, a barriga espichada, ele subia como um balão no meio da correnteza, que era calma lá embaixo, puxava as coisas e era puxado por elas. E, súbito, individualidade dissolvida, só havia o meio, o turbilhão tranqüilo, o encontro, o interagir.
No blog do Janer Cristaldo andou rolando um desses debates inúteis entre ateus, agnósticos e crentes, dos quais já estou mais que cansado, tendo participado de inúmeros justamente nas três posições citadas, aliás, migrando duma a outra nessa mesma ordem aí descrita. Vale dizer: me sinto melhor hoje… Bem, a questão é que o Olavo acabou aparecendo na discussão com um texto excelente: Discussões vãs. Não deixe de ler.
Isto é do Manuel Bandeira:
“Se queres a felicidade de amar, esquece a tua alma.
“A alma é que estraga o amor.
“Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
“Não noutra alma.
“Só em Deus – ou fora do mundo.
“As almas são incomunicáveis.
“Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
“Porque os corpos se entendem, mas as almas não.”
Quem passou pela adolescência física e mental – isto é, o período que vai dos 14 aos 25 anos de idade aproximadamente – antes do advento da internet, entenderá o título desta entrada. Nesta fase de intensa ebulição interior, é muito fácil – falo daqueles que sempre se interessaram por literatura, filosofia, ciência e arte – é muito fácil acreditar que se é um tipo de gênio, uma luz em meio à escuridão massificada. Principalmente se, aos dezesseis, enquanto vivia ilhado numa província da província Brasilis, devorou “Homens representativos”, de Ralph Waldo Emerson. Aliás, ainda bem que não havia internet entre 1985 e 1996. Talvez eu até tivesse ficado “famoso” – como muitos blogueiros hoje acreditam ser – com o registro de minhas especulações, viagens e surtos (hoje muito bem guardados), e , no entanto, nos dias que correm, com a chegada desses lampejos de maturidade que ora me assediam, eu estaria envergonhado comigo mesmo e certamente passaria mais tempo deletando textos e entradas de blog que propriamente escrevendo… Sim, embora a Vontade de Criar possa nos aproximar muito da Vida, na medida mesma dessa aproximação, mais e mais vamos nos sentindo como que elevados diante dos demais. E tudo, claro, não passa de vaidade, vaidade das vaidades. Antes da internet eu achava que meus, digamos, pares ou já estavam mortos ou muito próximos de morrer. Com uma única exceção, que não vem ao caso, praticamente não tinha interlocutores. Claro, possuía amigos e professores cuja inteligência admirava, mas nunca encontrava “pretensões de criar” tão grandes quanto a minha. Depois, com a internet – e já morando com a Hilda Hilst – descobri que esses pares não constituem dezenas, senão milhares de pessoas espalhadas pelo mundo, a maioria muito mais disciplinada e produtiva do que consigo ser. E os maiores dentre eles, percebi, não são os que se colocam mais ao alto, junto a seus ídolos, e sim exatamente aqueles que, em sua sabedoria escrita, demonstram a verdade da fraternidade de todos os homens, isto é, que somos todos nós, terráqueos, pares no sentido mais universal do termo. Enfim, obrigado, internet, por não me deixar enlouquecer (de novo), obrigado por ajudar a provar a mim mesmo que não sou nenhum suprassumo da humanidade, mas um mero contador de “causos”. (Adeus, aborrescência!!) Se Nietzsche tivesse um blog à sua disposição, teria certamente trocado idéias com Dostoiévski – cujo livro “Notas do subterrâneo” ele leu – e o grande romancista russo o teria então alertado sobre o maior (e talvez único) de seus erros. Qual? Amadureça e descubra. (Até lá medite sobre o arcano 16, A Torre, do tarô…)
Desde épocas remotas a humanidade sempre teve o costume de sentar-se ao redor do fogo, à noite, para conversar e trocar impressões sobre o dia, sobre a vida, a morte e o universo. Os intervalos entre os diálogos eram pontuados de meditação espontânea tendo o brilho do fogo como catalisador. Qualquer um que já acampou – ou curtiu uma noite numa chácara – sabe o que é isso. Há aquele silêncio no qual a voz do coração fala mais alto, aprofundando o nível da charla ulterior. Isto é tão atávico em todos nós que até hoje as cozinhas – onde ainda há um resquício de fogo – costumam ser verdadeiras salas de reunião em nossas casas.
Coube a mim fazer o panegírico, de improviso, diante de parentes, amigos e desconhecidos, à minha avó materna, em seu funeral. Eu nunca havia discursado ao lado de um caixão, quanto mais do caixão de uma pessoa amada. O Espírito baixou e, ao contrário dos demais, já nem me lembro do que disse. Foi uma experiência metanóica.
Terminei de reler um livro para todos e para ninguém: Assim falava Zaratustra, de Friedrich Nietzsche. Desta vez, foi a tradução de Mário Ferreira dos Santos, com notas explicativas da simbólica nitzscheana. Eu diria que a leitura do Mário Ferreira é das mais luminosas – ele é fã do Nietzsche – mas sob uma ótica totalmente distinta das que costumamos ver por aí. A maioria vê o copo ou meio vazio ou toma o vazio pelo cheio. Mário Ferreira consegue ver com exatidão o copo cheio e aponta com real sabedoria onde o próprio Nietzsche demonstra confusão de conceitos: “Como Nietzsche pouco conhecia a Teologia escolástica, tinha do Deus dos cristãos uma visão falsa. A culpa não era dele, mas sim do seu século, ignorante da filosofia medieval (do que não isentamos o nosso), e que tinha da religião uma visão exotérica, que em parte a culpa cabe à mentalidade de sacristia de muitos crentes e muitos padres, que cooperam, desta forma, para que se faça do Deus cristão uma verdadeira caricatura, fácil, depois, para combater. Nietzsche desprezava os estudos escolásticos, como o fazem hoje muitos, que pensam haver ultrapassado a filosofia medieval e, no entanto, patinam nos velhos erros já refutados”. Mário Ferreira também escreveu, a respeito de Nietzsche, outro livro: “O Homem que Nasceu Póstumo“, que ainda não li. E não pensem que ele se limita a corrigir o pensador prussiano. Não. Ele o esclarece e purifica. “O meu amor à obra desse grande poeta e a minha lealdade para com o seu pensamento não me permitiram que procedesse de outro modo.”
“Pouco antes de sua morte em 1961, C.G. Jung teve uma série de visões de uma futura grande catástrofe. Segundo Marie-Louise von Franz, que manteve a custódia das anotações e cartas relativas a essas declarações, Jung viu uma catástrofe de extensão global, possivelmente da natureza de um abrasador holocausto, a ocorrer nos próximos cinqüenta anos (isto é, por volta de 2010).”
(Do livro Jung and the Lost Gospels, de Stephen Hoeller, citado por J.R. Nyquist.)